MALBA TAHAN
Malba Tahan ou Júlio César de Mello e Souza (1111 - 1921)
Celebrizou-se como Malba Tahan. Foi um caso raro de professor que ficou quase
tão famoso quanto um craque do futebol. Em classe, lembrava um ator empenhado em
cativar a platéia. Escolheu a mais temida das disciplinas, a Matemática. Criou
uma didática própria e divertida, até hoje viva e respeitada. Ainda está para
nascer outro igual.
Exímio contador de histórias, o escritor árabe Malba Tahan nasceu em 1885 na
aldeia de Muzalit, Península Arábica, perto da cidade de Meca, um dos lugares
santos da religião muçulmana, o islamismo. A convite do emir Abd el-Azziz ben
Ibrahim, assumiu o cargo de queimaçã (prefeito) da cidade árabe de El-Medina.
Estudou no Cairo e em Constantinopla. Aos 27 anos, recebeu grande herança do pai
e iniciou uma longa viagem pelo Japão, Rússia e Índia. Morreu em 1921, lutando
pela libertação de uma tribo na Arábia Central.
A melhor prova de que Malba Tahan foi um magnífico criador de enredos é a
própria biografia de Malba Tahan. Na verdade, esse personagem das areias do
deserto nunca existiu. Foi inventando por outro Malba Tahan, que de certo modo
também não existiu efetivamente: tratava-se apenas do nome de fantasia, o
pseudônimo, sob o qual assinava suas obras o genial professor, educador,
pedagogo, escritor e conferencista brasileiro Júlio César de Mello e Souza. Na
vida real, Júlio nunca viu uma caravana atravessar um deserto. As areias mais
quentes que pisou foram as das praias do Rio de Janeiro, onde nasceu em 6 de
maio de 1895. Júlio César era assim, um tipo possuído por incontrolável
imaginação. Precisava apenas inventar um pseudônimo, mas aproveitava a ocasião e
criava um personagem inteiro.
Malba Tahan e Júlio César formaram uma dupla de criação que produziu 69
livros de contos e 51 de Matemática. Mais de dois milhões de exemplares já foram
vendidos. A obra mais famosa, O Homem que Calculava, está na 38e edição. Com o
seu pseudônimo, Júlio César propunha problemas de Aritmética e Álgebra com a
mesma leveza e encanto dos contos das Mil e Uma Noites. Com sua identidade real,
foi um criativo e ousado professor, que estava muito além do ensino
exclusivamente teórico e expositivo da sua época, do qual foi um feroz crítico.
"O professor de Matemática em geral é um sádico", acusava. "Ele sente prazer em
complicar tudo." Um sucesso feito de trabalho duro, lances de esperteza e muita
imaginação.
Um dos maiores incentivadores da carreira de Júlio César de Mello e Souza foi
o seu pai, João de Deus de Mello e Souza. Ou, explicando melhor, a modesta
mesada que seu pai lhe dava nos tempos de colégio. Funcionário do Ministério da
Justiça e com uma escadinha de oito filhos para criar, João de Deus não podia
fazer milagres. O dinheiro era contadinho. Para comprar uma barra de chocolate,
por exemplo, o jovem Júlio César economizava na condução durante o final de
semana.
As fumaças do gênio já começavam a desenhar o futuro Malba Tahan. A família
já conhecia seu gosto pela literatura, mas tinha suas dúvidas:.. "Quando
compunha uma historieta, era certo o Júlio criar personagens em excesso, muitos
dos quais não tinham papel nenhum a desempenhar, dando-lhes nomes absurdos, como
Mardukbarian, Protocholóski, Orônsio", conta o irmão mais velho do escritor,
João Batista, no seu livro Meninos de Queluz, em que lembra a sua infância e a
de Júlio César em Queluz, interior de São Paulo.
Mais velho, Júlio César aprendeu a lidar com o descrédito. Quando tinha 23
anos, e era colaborador do jornal carioca O lmparcial, entregou a um editor
cinco contos que escrevera. A [papelada ficou jogada vários dias sobre uma mesa
da redação. Sem fazer nenhum comentário, Júlio César pegou o trabalho de volta.
No dia seguinte, reapareceu no jornal. Trazia os mesmos contos, mas com outra
autoria. Em vez de J.C. de Mello e Souza, assinava R.S. Slade, um fictício
escritor americano. Entregou os contos novamente ao editor, dizendo que acabara
de traduzi-los e que faziam grande sucesso em Nova York. O primeiro deles, A
Vingança do Judeu, foi publicado já no dia seguinte e na primeira página.
Júlio César aprendeu a lição e decidiu que iria virar Malba Tahan. Nos sete
anos seguintes, mergulhou nos estudos sobre a cultura e a língua árabes. Em
1925, decidiu que estava preparado. Procurou o dono do jornal carioca A Noite,
Irineu Marinho, fundador da empresa que se tornaria as atuais Organizações
Globo. Marinho gostou da idéia. Contos de Mil e Uma Noites foi o primeiro de uma
série de escritos de Malba Tahan para o jornal. Detalhista, Júlio César
providenciou até mesmo um tradutor fictício. Os livros de Malba Tahan vinham
sempre com a "tradução e notas do prof. Breno Alencar Bianco".
Júlio César viveu sem se dar conta do patrimônio cultural que construíra. Em
um depoimento ao Museu da Imagem e do Som, declarou-se profundamente arrependido
de não ter seguido a carreira militar, como queria seu pai. "Eu estaria hoje
marechal, calmamente de pijama, em casa", imaginava. "Não precisaria estar me
virando na vida."
Desde menino, Júlio César de Mello e Souza tinha suas manias. Algumas
completamente malucas, como manter uma coleção de sapos vivos. Quando vivia em
Queluz, às margens do Rio Paraíba do Sul, Júlio César chegou a juntar 50 sapos
no quintal da sua casa. Um dos animais, o Monsenhor, costumava acompanhá-lo, aos
saltos, por suas andanças na região. Adulto, o professor Júlio César continuou a
coleção, dessa vez com exemplares de madeira, louça, metal, jade e cristal.
Outras preocupações eram bem mais sérias. Ele sempre se entregou de corpo e
alma à causa das vítimas da lepra, os hansenianos. De cabeça aberta e sem
preconceitos, Júlio César de Mello e Souza editou durante 10 anos a revista
Damião, que pregava o reajustamento social desses doentes. A dedicação de Júlio
César era tão grande que, no seu testamento, pediu que lessem, à beira do seu
túmulo, uma última mensagem de solidariedade aos hansenianos.
Malba Tahan, o gênio da Matemática, foi um desastre completo nos números
quando era o aluno Júlio César de Mello e Souza, do Colégio Pedro II, no Rio.
Nessa época, seu boletim registrou em vermelho uma nota dois, em uma sabatina de
Álgebra, e raspou no cinco, em uma prova de Aritmética.
Em sala de aula, Júlio César não dava zeros, nem reprovava. "Por que dar
zero, se há tantos números?", dizia. "Dar zero é uma tolice:' O professor
encarregava os melhores da turma de ajudar os mais fracos. "Em junho, julho,
estavam todos na média', garantiu no depoimento ao Museu da Imagem e do Som.
Júlio César foi professor de História, Geografia e Física até dedicar-se à
Matemática. Sua fama como pedagogo se espalhou e ele era convidado para
palestras em todo o país. A última foi em Recife, no dia 18 de junho de 1974,
quando falou para normalistas sobre a arte de contar histórias. De volta ao
hotel, sentiu-se mal e morreu, provavelmente de enfarte.
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