sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Gaivota

 GAIVOTA





No princípio era o Verbo – e, por Ele, todas as coisas foram feitas! 


Há muito tempo atrás, quando o mar, menino travesso, cismava de avançar, nas grandes marés, sobre a cidade, espreguiçando-se, por entre ruas e becos, indo e vindo sem se cansar, dando “bom dia” àqueles que passavam próximo aos Correios, e, aos moradores das redondezas, havia casebres pontilhando a orla marítima de Camocim, que olhavam, sem emoção alguma, a beleza da Ilha da Testa Branca, incrustada na imensidão daquela parte do grande Oceano.


Numa dessas choupanas morava o mestre Bonifácio, homem de raras palavras, mas de pronta ação, de fibra invejável, curtido pela inclemência do sol e pelos atropelos da vida, nos seus azeitados quarenta e dois anos, recém-completados, que sustentava a família com o incansável trabalho de comandar uma ágil embarcação, que se aventurava na costa camocinense, saindo, anônima, de mansinho, espiando as lamparinas celestes, quando os galos ainda dormiam, sem se lembrarem, marotos que eram, de anunciar, com pompa, a chegada da manhã, e, lá pelas três da tarde, hora nona em que Cristo foi crucificado, no Calvário, ela estava de volta, arfante, trazendo peixes diversos; pescadas amarelas, ciobas, serras...


Certa feita nuvens escuras tingiam todo o horizonte anunciando o pé d’água iminente. Já avistando, ao longe, a silhueta do Farol do Trapiá, a Gaivota foi surpreendida por enormes ondas, que brincavam com ela, fazendo-a despencar, no torvelinho das águas,  debatendo-se, aprisionada, contra o fragor das ondas. 


Com suas asas sem  poder alçar voo, impedindo-a de sair daquela angustiante situação, debalde foi a magistral habilidade demonstrada pelo Bona.


Por muito tempo a canoa,  pobrezinha, lutou contra as forças da Mãe-Natureza! 


Quase riscando a barra, com a vela toda rasgada,  clamando piedade aos céus, rompendo o último Rubicão para chegar ao lar, não resistindo mais ao galope do mar, um cavalo indócil que disparara em fúria, transformando a líquida planície esverdeada em montanhas cristalinas assombrosas, cujos vales de lágrimas se abriam a seus pés, a Gaivota veio, ali mesmo, diante do Leviatã, debater-se, agonizante, nas mãos do carrasco destino.


No mar agitado, os homens tentavam manter a calma, visto que sucumbiriam se desperdiçassem energia.


Assim, esforçavam-se para acomodar os músculos e a mente em sintonia perfeita. 


E ansiaram por um milagre!


À noitinha, resgatados por um barco que demandava ao porto, os pescadores, afinal, chegaram a terra.  


Chamado que fora a navegar, em distantes  paragens, mestre Bona partiu sem dizer adeus. 


Na madrugada seguinte, esquecendo a tragédia, as  velas de Camocim saíam novamente para pescar.


AVELAR SANTOS 

CAMOCIM-CE

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